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O Conservatório Musical de Santos: uma instituição cultural em trânsito
Raphael Fernandes Lopes Farias

Última alteração: 2023-10-24

Resumo


A partir da afirmação acima da pianista brasileira Antonieta Rudge, este trabalho apresenta a pesquisa em andamento sobre o Conservatório Musical de Santos (CMS), no sentido da reconstrução de sua história e da promoção de cultura artística regional. Fundada em 1927, a instituição teve grande impacto na cultura e na educação da cidade de Santos-SP, captando em seu corpo docente e suas atividades o que havia de mais destacado no cenário cultural e artístico no Brasil, sobretudo paulista, durante o auge de seu funcionamento, nas décadas de 1930 a 1970. Nesse período, foi administrado e dirigido pelo maestro italiano Ítalo Tabarin e pela proeminente pianista brasileira Antonieta Rudge, e esteve no cerne do desenvolvimento da cultura artística no Brasil, que mesclava a tradição europeia com a propagação do modernismo brasileiro. As informações iniciais da presente investigação foram obtidas em jornais antigos digitalizados e documentos – incluindo entrevistas em áudio - de acervos particulares que já estão em poder do autor.
O CMS é concebido no bojo da modernização da cidade, impulsionada pelos rendimentos da cafeicultura e da consolidação do porto de Santos como principal acesso para a economia do país (LANA, 1996) e das reformas educacionais que vinham sendo implementadas ao longo dos anos 1920. Naquele período, a cidade desponta como uma das 10 mais populosas do país, posição perdida ao longo dos anos 1960 e 1970. Na artes, mais especificamente na música, as mudanças foram encabeçadas pelo movimento modernista em nomes como Mário de Andrade e Villa-Lobos (FONTERRADA, 2008).
O Movimento Modernista Brasileiro, fortemente fincado em São Paulo, tinha manteve fortes relações com o conservatório santista, o que se constata pelas visitas de Villa-Lobos, Mário de Andrade e Menotti del Picchia ao CSM ; vinha no lastro de uma cultura artística que, embora repousasse na produção europeia, fazia esforços para conceber uma cultura nacional. Observa-se que a instituição mobilizou agentes do cenário artístico e cultural na região de Santos, desde a fase já consolidada da primeira geração modernista, no final dos anos 1920 até a o auge dos tensionamentos entre nacionalistas e vanguardistas nos anos 1960-70 do século passado (EGG, 2004). Além disso, o CMS apresentava um repertório que tentava conciliar o tradicional com o modernismo e o nacionalismo, tendência já apontada por Fucci Amatto (2006) em sua pesquisa sobre o Conservatório de São Carlos.
Apresentam-se também outras problemáticas indispensáveis para a compreensão do quanto o CMS pode retratar no âmbito das dinâmicas sociais, a exemplo da hegemonia italiana no cenário da música de concerto nacional a partir da imigração (CENNI, 2003) e das questões de gênero representadas pelo alunado majoritariamente feminino, sobretudo dedicado ao piano Fucci Amatto (2004, 2006). Nesse sentido, aplicam-se as noções de trânsito, de LaCapra (2006) e da musicologia local, de Musri (2013), que apelam para a necessidade de histórias fora dos lugares e das personagens hegemônicas, valorizando a experiência local, a mobilização de agentes, as relações entre instituições – no caso, culturais e artísticas – com as comunidades locais e suas articulações com o oficialismo nacional; além da necessidade da criação de acervos musicais nos territórios interioranos.

Referências

CENNI, Franco. Italianos no Brasil: Andiamo in Mérica. São Paulo, Edusp, 2003
EGG, André. O debate no campo do nacionalismo musical no Brasil nos anos 1940 e 1950: o compositor Guerra-Peixe. Dissertação de mestrado. Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2004.
FONTERRADA, Marisa T. de O. De tramas e fios: um ensaio sobre música e educação. 2ª ed. São Paulo: Unesp, 2008.
FUCCI AMATO, Rita de Cássia. Memória musical de São Carlos: retratos de um conservatório. 2004. Tese (Doutorado em Educação) – Programa de Pós-graduação em Educação, Centro de Educação e Ciências Humanas, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2004.
______. Um estudo sobre a rede de configurações sócio-culturais do corpo docente e discente de um conservatório musical. Ictus, Salvador, vol. 06, dez. de 2005. Disponível em: < https://periodicos.ufba.br/index.php/ictus/article/view/34244/19739>. Acesso em 15 de ago. de 2023.
LACAPRA, Dominick. Historia en tránsito. Experiencia, identidad, teoría crítica. Teresa Arijón (trad.). Buenos Aires: FCE, 2006.
LANA, Ana Lúcia D. Uma cidade na transição, Santos: 1870-1913. São Paulo, Hucitec; Prefeitura Municipal de Santos, 1996
MUSRI. Fátima Graciela. Definiciones y ayudas metodológicas para uma historia local de la música. Revista del ISM, 1(14), 51–72, 2013. Disponível em: . Acesso em 15 de out. de 2023.

Palavras-chave


Conservatório Musical de Santos; musicologia histórica; história local; cultura artística; educação musical