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O mulato que escureceu: a transformação iconográfica do Padre José Maurício Nunes Garcia através dos séculos
Última alteração: 2020-04-11
Resumo
Visa a apresentar resultados da pesquisa de doutoramento, continuando a exposição já abordada em dois artigos meus recentes, publicados pela Revista Música da USP e no prelo para publicação na Association of Ethomusicology, da Turquia. Nesses dois trabalhos foi abordada a situação ímpar do Padre José Maurício Nunes Garcia, como o único compositor filho de negros - assim descrito em sua historiografia - que teria passado à história da música brasileira como "mulato". Neste trabalho pretende-se comparar a produção de retratos feitos de José Maurício, desde a sua clássica imagem embranquecida por seu filho até representações mais recentes, com traços realmente afrodescendentes. As perguntas realizadas foram: é possível traçar um paralelo comparativo entre os diferentes retratos relativos ao Padre, associando suas características com seu determinado momento histórico? Seria mais palatável ao gosto das elites aristocráticas escravistas ter um mulato a frente da Capela Real do Rio de Janeiro do Século XIX, e por isso José Maurício teria sido sempre idealizado como mestiço de branco e negro, e não negro puro? Para responder essas questões foi necessária, além do estudo iconográfico, historiográfico do Padre-Mestre. Desde os primórdios da musicologia - quando ainda não era chamada como tal - no Século XIX, atravessando todo o Século XX, como se deu a transformação da imagem do Padre, à luz da História? A partir do redescobrimento historiográfico dos anos 1930, em que emergiram as obras capitais que visavam à esclarecer o Brasil, entre elas Casa Grande e Senzala, de Freyre, e Raízes do Brasil, de Buarque de Holanda, no sentido antropológico e social, começaram a se delinear os arcabouços do que significariam os elementos culturais nacionais. A estética do belo, que no Século XX deixa de ser o centro, na vida de José Maurício (1767-1830) era reproduzir e tentar se equiparar aos padrões europeus - principalmente italianos e germânicos - de música. Por que em terra tão distante, distinta de clima, cultura e idioma, em que caberia toda a Europa Ocidental em sua extensão territorial, se configurou exata mimese de réplica sociocultural, sendo quase ausentes as influências genuinamente ameríndias para a consolidação da música erudita brasileira - à exceção do lugar de exotismo fácil relegado a elas. Dentro desse quadro, José Maurício teria sido realmente conivente com a conjuntura histórica da época - subjugado por el-Rei português em pessoa - e a sua iconografia refletiria essa visão idealizada de um músico paciente, modesto, quase um santo?
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