A criação musical na São Paulo oitocentista tem sido pouco estudada, frente ao maciço interesse da musicologia brasileira com as manifestações mais vistosas da música na corte imperial do Rio de Janeiro e, anteriormente, na produção sacra do que se convencionou chamar de Barroco Mineiro. Um exemplar caso dessa condição é a figura de Miguel Archanjo Benício de Assumpção Dultra, (1812-1871), nascido em Itu, negro, um artista multifacetado, tendo estudado música e pintura. Dultra deixou importante registro iconográfico da cidade de Itu, tanto do ponto de vista urbanístico e arquitetônico, mas também de sua vida social. Entre elas, se salienta uma aquarela referida como “Festa do Divino”, depositada atualmente no Museu Paulista da USP. Dada sua relevância para entender a música, em seu contexto etnográfico e orfanológica, como praticada em Itu no século XIX e seus reflexos na vida musical paulista, buscaremos analisá-la, do ponto de vista da iconográfica segundo os preceitos propostos por Erwin Panofisky. A Festa do Divino é uma tradição cristã muito difundida em todas as regiões do Brasil e de real importância no repertório etnomusical. Ainda que as manifestações apresentem característica próprias ao longo do tempo e dos espaços da festa, no seu aspecto geral, a Folia do Divino é um evento musical ritualístico de tradição cristã em que, em um dos seus mais evidentes momentos, um conjunto de músicos sai em itinerário visitando as casas de famílias que se apegaram a uma devoção ao Divino Espírito Santo. Nela, a música é elemento central e a prancha de Dultra revela esse momento central da Folia, que que é ato de percorrer casa por casa a cidade para arrecadar donativos, abençoando o lar e permitindo pedidos e agradecimentos e afins. Assim, nesta comunicação, pretende-se analisar e entender esse evento da folia, a qual se encontra descrita imageticamente na prancha de Dultra, dada sua relevância para entender a música, em seu contexto etnográfico e organológica, como praticada em Itu no século XIX e seus reflexos na vida musical paulista. Complementarmente, a informação da prancha será comparada com outras representações do mesmo evento em realizações sincrônicas em outros regiões do país.