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Discussões sobre gênero e música a partir de biografias presentes na literatura acadêmica: uma revisão sistemática integrativa
Maria Rúbia de Moraes Andreta, Susana Cecilia Igayara-Souza

Última alteração: 2023-10-24

Resumo


Desde a década de 1970, diversas áreas das ciências humanas, como a historiografia, a antropologia e a sociologia, foram influênciadas pelo pós-estruturalismo e pelo movimento feminista. Na mesma época, esta influência também foi percebida na musicologia, com o surgimento da musicologia feministas e estudos em vários campos da música sob uma perspectiva de gênero (Ramos López, 2003). A autora Pilar Ramos López (2010), ao discutir os avanços alcançados a partir da musicologia feminista, pontua que os resultados pretendidos no início da estruturação do campo foram atingidos apenas de forma parcial, já que ainda é notada a desigualdade de gênero na prática musical corrente e nos materiais didáticos utilizados para o ensino formal de música, o que é corroborado também nas pesquisas desenvolvidas por Setareh Beheshti (2010) e Megan Lam (2018). Desta forma, ainda hoje muitos estudos vêm sendo desenvolvidos de forma a problematizar a prática musical e o ensino de música a partir da ótica de gênero, chamando a atenção para a desigualdade entre homens e mulheres na regência, na composição e na performance, além da atuação profissional de instrumentistas em orquestras e na baixa representatividade de mulheres nos repertórios e nos livros didáticos.De modo a possibilitar uma maior compreensão sobre o desenvolvimento das discussões de gênero em música no Brasil atualmente, realizamos uma revisão sistemática integrativa da literatura como parte de nossa pesquisa de mestrado, concluída em 2023. Este método consiste em uma revisão de literatura realizada de maneira sistemática e que inclui estudos independentes sobre um mesmo assunto, com palavras-chave e critérios de inclusão e exclusão pré-definidos, como forma de identificar, analisar e sintetizar os resultados dos estudos em questão, bem como observar as principais metodologias, referenciais teóricos e discussões dentro de um determinado campo (Souza et al, 2010). Em nossa pesquisa, a revisão sistemática integrativa teve como foco buscar artigos que abordassem questões de gênero aplicadas à música de concerto ou que contribuíssem para a visibilidade de mulheres na música, nas áreas de musicologia, composição, performance e educação musical.Foram levantadas as publicações entre 2012 e 2022, de 15 periódicos acadêmicos referenciados na página “periódicos”, no site da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Música (ANPPOM, n.d), por considerar que estes atingem um público específico já inserido no contexto da música de concerto e, portanto, um público com possibilidades de, a partir das reflexões suscitadas, transformar suas vivências e causar mudanças efetivas na prática musical. O levantamento foi feito manualmente, no site de cada revista, a partir dos recursos de busca disponíveis. O levantamento sistemático foi feito com os seguintes descritores, e seus correlatos em inglês e espanhol: gênero; feminismo; feminista; mulher; mulheres; "estudos de gênero"; compositora; compositoras.A partir dos  resultados levantados, foi feita uma análise preliminar com a leitura de título e resumo e aplicamos os critérios de inclusão: ter sido publicado entre 2012 e 2022; ter o texto completo disponível; abordar a música de concerto e/ou aspectos relacionados à educação musical; abordar problemáticas de gênero em música e/ou abordar compositoras, cantoras, regentes, instrumentistas, educadoras e musicólogas. Ao final desta etapa, chegamos a 77 publicações, sendo 04 notas do/a compositor/a, 05 resenhas, 05 entrevistas e 63 artigos. As publicações foram sistematizadas, lidas, fichadas  e categorizadas em três grandes áreas, com o intuito de organizar e facilitar a compreensão de diferentes abordagens. São elas: Biografias; Educação Musical; Gênero e Música.Na categoria “Biografias”, incluímos 43 publicações que apresentam trajetórias de compositoras, instrumentistas e regentes. A comunicação e divulgação de trajetórias biográficas de mulheres na música, conforme percebido nesta pesquisa, pode acontecer de forma direta, ou seja, quando a biografia é o tema central do estudo, ou de forma indireta, nos casos em que a referência a uma pessoa e sua atuação musical é feita em conjunto com a análise de sua obra, da discussão de aspectos específicos correspondentes a uma fase de sua vida, ou da abordagem de sua participação, e consequente repercussão, em eventos, concursos e concertos.Dentre estas publicações, os autores Helena Braga (2021) e Rodrigo Gomes (2020) discutem a relevância de estudos biográficos como forma de obter informações sobre mulheres musicistas e reposicioná-las como agentes históricos, além de ampliar a compreensão sobre os diferentes contextos sociais a partir da perspectiva de gênero.Os estudos que tratam da vida e obra de compositoras também demonstram diferentes posicionamentos em relação às questões de gênero na pesquisa em música publicada no Brasil. Sendo que alguns se debruçam especificamente na análise musical e contextualização das obras, sem fazer referência à problemática de gênero, enquanto outros trazem as questões de gênero como centrais para uma compreensão mais aprofundada sobre as obras musicais. Há ainda um artigo que nos chamou a atenção por se posicionar de forma a reconhecer as desigualdades de gênero no campo da composição musical, porém mantendo o foco na análise musical e apresentando soluções técnicas para possibilitar a performance da obra em questão (Presgrave, 2013).Esta revisão sistemática integrativa da literatura acadêmica publicada no Brasil, entre 2012 e 2022, nos possibilita compreender o campo das discussões de gênero na música de concerto na atualidade, além de ampliar as perspectivas de referenciais teóricos e metodologias para o desenvolvimento de novas pesquisas. Além disso, os estudos biográficos se mostram bastante profícuos para o resgate histórico de mulheres, sendo uma forma importante de dar visibilidade às suas trajetórias e às suas obras, bem como de valorização da atuação de mulheres musicistas em diferentes contextos.
REFERÊNCIASAGÊNCIA NACIONAL DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA. Periódicos. [S. l.]. (n. d.) Disponível em: https://anppom.org.br/periodicos/. Acesso em: 12 nov. 2022.BEHESHTI, S. The case for a database of musical repertoire. International Journal of Music Education, v. 28, n. 4, p. 369 - 379, nov. 2010.GOMES, R. C. S. O acervo Chiquinha Gonzaga em narrativas autobiográficas. OPUS, v. 26, n. 1, p.1-32, jan./abr. 2020.LAM, M. Female Representation in the Traditional Music Classroom. General Music Today, Tucson, v. 32, n. 1, p. 18 - 22, out. 2018.PRESGRAVE, F. “A Quem Interessar Possa...” de Vanessa Rodrigues para Violoncelo Solo. Música Hodie, v. 12, n. 2, p.146-155, abr. 2013.RAMOS LÓPEZ, P. Feminismo y música: introducción crítica. Madrid: Narcea, 2003.RAMOS LÓPEZ, P. Luces y sombras en los estudios sobre las mujeres y la música. Rev. music. chil., Santiago, v. 64, n. 213, p. 7 - 25, jun. 2010.SOUZA, M. T.; SILVA, M. D.; CARVALHO, R. Revisão Integrativa: o que é e como fazer. Einstein, v. 8, n. 1, p. 102 - 106, jan. 2010.

Palavras-chave


Musicologia Feminista; Biografia; Música e gênero