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O título como transformador da obra de arte abstrata em iconografia musical
Amanda Oliveira Gama e Narici

Última alteração: 2017-06-12

Resumo


O ato de nomear, acreditava-se, tinha a capacidade de dotar algo ou alguém de determinados poderes e/ou qualidades próprios da semântica do nome. Sendo possível então, marcar o nomeado, imprimindo-lhe certas características astrais, sociais, simbólicas, ou mesmo de um tempo em que a nomeação fazia parte de um rito de passagem, onde nova vida e destino eram atribuídos ao indivíduo, que a partir de então assumia um nova identidade e vibração perante a vida e importância perante sua comunidade. Apenas por causa da assunção de um nome. Isto posto, e conduzindo o pensamento para além da esfera social comum, o ato de intitular uma obra de arte é tão importante que pode até completar ou mesmo modificar a sua existência, carregando-a de tamanho significado que a transforma em ícone de referência artística. Ainda que para o autor a obra tenha uma significação bastante peculiar, o processo da intitulação aproxima o público da arte e permite a compreensão da obra, ou no mínimo, direciona a sensibilidade da visão. Auxiliando na decodificação da imagem ou objeto em foco. E ainda, alocando a obra em determinado grupo de classificação.

No caso da obra abstrata intitulada a partir da referenciação musical, é acertado afirmar que ali há a produção de iconografia musical. Mesmo que imagéticamente a obra de arte não descreva concretamente qualquer figura geométrica, orgânica, ou propriamente um cenário inteligível, que a remeta a um único ícone da música, a relação entre obra e título tem o poder de tirar o olhar da zona de conforto do óbvio figurativo e identificar a obra de arte, sim, como integrante da iconografia musical. Um exemplo breve, porem objetivo, do que discutirei no artigo está presente no caso de uma obra específica da artista visual Beatriz Milhazes quando, em 1960, faz uma gravura de 65,8 x 49,3 cm sobre papel, onde compõe através da mescla de signos figurativos centrais, círculos e sinuosidades abstratas, uma obra intitulada "Piano". Até o momento em que a gravura em questão, integrante do abstracionismo brasileiro, encontrava-se ausente de denominações, esta obra de arte visual jamais ofereceria qualquer oportunidade de correlação com a iconografia musical. Por que simplesmente não há dados visuais que permitam estabelecer um vínculo com qualquer signo musical. Entretanto, quando o fator título entra em ação e é determinado utilizando-se de um nome conhecidamente natural do vocabulário do universo musical, não há opção senão reconhecer a obra, admitindo-a como integrante da iconografia musical. Uma vez que o título "Piano", nesse caso, confere um valor que impele a ressignificação da percepção sobre a obra. Fazendo-nos questionar a gravura produzida visualmente e conceitualmente. Afinal, a imagem do nome "Piano" evoca significados e cargas referenciais tão próprios que são transferidos imediatamente a obra, interferindo em toda a sua compreensão. O que torna impossível que essa arte abstracionista permanecesse a mesma que era antes de sua intitulação. Assim, o significado intrínseco da gravura abstrata "Piano" é completamente transformado desde a sua concepção, passando de uma obra que pertence exclusivamente ao universo das artes visuais a uma referência de iconografia musical dentro das artes visuais.

Desta forma, o presente trabalho tem como proposta realizar um breve estudo partindo da possível origem da intitulação de uma obra de arte, passando pela relação do autor e obra (que começa a ser repensada no período renascentista), significado e significante numa obra artística, tangentes terminológicas entre a arte visual e a iconografia musical. Permitindo então que se possa chegar ao recorte da obra de arte abstrata e a sua relação com um título que a identifica e transforma seu significado, habilitando-a a ser classificada como iconografia musical, esperando ampliar as possibilidades conceituais e identificadoras no âmbito iconográfico musical.



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