Portal de Eventos Científicos em Música, 7º CONGRESSO BRASILEIRO DE ICONOGRAFIA MUSICAL

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“Despotismo muitíssimo tolo”: subversão e ordem na disputa por um símbolo civilizatório entre uma banda militar e uma banda de barbeiros escravizados na Bahia do século XIX
Aldo Luiz Leoni

Última alteração: 2023-11-01

Resumo


A partir do início do século XIX com a instalação da corte de D. João VI no Rio de Janeiro a colônia portuguesa começa a se adequar ao modelo metropolitano. Suas cidades estavam configuradas para a efetividade do pacto colonial e funcionam mais como entrepostos comerciais, recebendo levas de africanos sequestrados e enviando para fora o que da terra se podia extrair. A urbanidade esperada teria que ser adaptada, no entanto as cidades só funcionavam porque a gente preta trazida à força do continente africano e seus descendentes ocupavam toda a base social na colônia. A rua era o lugar de expressão daquela gente e sua presença massiva marcava um espaço no qual o confronto entre tradições ancestrais e ritualização colonizante transpirava africanidades e antropofagias culturais resignificantes. A ilustração sobre os costumes brasileiros desperta de um sono profundo com a metrópole portuguesa em trânsito para o sul. Ao mesmo tempo é instalada a imprensa e as descrições narradas sobre os costumes começam a aparecer nos jornais pelo Brasil. Durante a Procissão do Santíssimo Sacramento em 1829, uma banda de barbeiros com músicos escravizados estava desfilando pelas ruas da Vila de Cachoeira na província da Bahia, portando uma árvore de campainhas. Esse instrumento musical funcionava como insígnia de distinção social e era atributo das bandas militares ligadas às tropas de infantaria. Ao se confrontar com uma banda militar que envergava uma outra árvore de campainhas de qualidade inferior os músicos escravizados foram instados pelo comandante do batalhão a trocarem com eles os instrumentos considerados então insígnias distintivas. Como a banda de barbeiros se negou a entregar seu adereço se seguiu uma disputa legal que chegou a instância decisória do governador da província. A argumentação sobre o privilégio de usar tal símbolo expõe não apenas a hierarquização social como também os significados que estavam introjetados na música em movimento representando a ordem e na sua reinterpretação dionisíaca e diametralmente oposta feita pelos escravizados.  Tendo essa disputa insólita em mente, vamos propor uma análise comparativa entre as iconografias contemporâneas aos acontecimentos que de alguma forma tangenciam a questão da distinção simbólica da árvore de campainhas considerando as variáveis de raça, condição social e olhar estrangeiro. Nossa intenção será uma abordagem privilegiando a descolonização do olhar com atenção redobrada ao avaliar tais testemunhos não apenas pelo inerente caráter abissal do entendimento da época entre civilização e barbárie, mas também da própria agência daqueles que mesmo em assimetria social subverteram símbolos hierarquizantes e negaram se submeter.

Palavras-chave


Hierarquia; Escravismo; Subversão da Ordem

Referências


SCHWARCZ, Lilia Moritz. Lendo e agenciando imagens: o rei, a natureza e seus belos naturais. Artigos, Sociol. Antropol. 4 (2), Jul-Dec 2014

Radano, Ronald  and Olaniyan, Tejumola , editors. Audible Empire : music, global politics, critique. Duke University Press, 2016

HERBERT, Trevor and  SARKISSIAN, Margaret. Victorian bands and their dissemination in the colonies. In: Popular Music (1997) Volume 1612.  Cambridge University Press. 1997.

Brass bands of the world : militarism, colonial legacies, and local music making / editedby Suzel Ana Reily and Katherine Brucher.

João José Reis. Domingos Sodré, um sacerdote africano: escravidão, liberdade e candomblé na Bahia do século XIX. São Paulo: CIA das Letras, 2008.


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