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Contribuições dos modelos historiográfico-musicais propostos no Uruguai no século XX para pensar a musicologia no século XXI
Leonardo Manzino

Última alteração: 2023-10-24

Resumo


A presente proposta aborda questões relacionadas aos problemas historiográficos na esfera ibero-americana (Eli Rodríguez et al [editores] 2021) e abordagens da historiografia musical como discurso local no Uruguai e seu impacto regional. Considera os fundamentos atuais da historiografia musical uruguaia estabelecidos no século XX que enriquecem a proposta do IV Congresso da Associação Brasileira de Musicologia para pensar a Musicologia na contemporaneidade. Contribui para aprofundar esta reflexão ao acrescentar, aos elementos da historiografia musical brasileira, um estudo de caso uruguaio para favorecer a construção de uma visão regional e ibero-americana. Identifica princípios epistemológicos utilizados por Francisco Curt Lange e Lauro Ayestarán (continuados por Yolanda Pérez Eccher, Susana Salgado e ampliados pela próxima geração de musicólogos uruguaios) para abordar questionamentos levantados (entre meados da década de 1980 e as duas primeiras décadas do século XXI) pela New Musicology, a Critical Musicology e a ideia de uma musicologia global (Chúa 2022). A reflexão crítica com que este trabalho contribui assenta-se num princípio axiomático: a Musicologia, independentemente das abordagens e contextos onde é praticada, tem a música como objeto de estudo. A análise dos modelos historiográfico-musicais utilizados no Uruguai abrange textos sobre música independentemente do leitor-alvo: explora livros unitários rotulados com os títulos “Historia de la música en Uruguay” e “Música en Uruguay”, monografias, artigos científicos publicados em revistas especializadas, artigos de divulgação publicados na imprensa cultural, trabalhos apresentados em encontros científicos, materiais de referência e documentos de gestão acadêmica (planos de trabalhos e pesquisas e planos de estudos universitários em Musicologia com programas e bibliografias dos cursos). Além disso, atende-se ao alerta de David Beard e Kenneth Gloag (2005:11) de que uma concepção ampla da Musicologia —entendida como a prática de estudar a música e pensar sobre ela fora do processo criativo, a fim de fornecer uma perspectiva clara sobre ele, a obra musical e seu contexto sociocultural— contrasta com o enfoque em aspectos específicos da atividade musicológica como a análise e aplicação de modelos historiográfico-musicais.

É considerada a etapa fundadora da atividade musicológica no Uruguai que surgiu com o trabalho de Lange e Ayestarán durante a década de 1930 no Instituto de Estudos Superiores; o trabalho de Ayestarán, Carlos Giucci e Antonio Álvarez Varela desenvolvido a partir da década de 1940 na Seção de Musicologia do Museu Histórico Nacional; e a atividade musicológica desenvolvida na Universidade da República desde 1946 por Ayestarán, Kurt Pahlen, Alberto Soriano e Carlos Estrada. Explora uma segunda fase desta atividade, entre 1974 e 2000, pautada —no plano da sua institucionalização— por alterações no organograma da Universidade da República com a fusão, em 1974, de dois serviços universitários no Conservatório Universitário de Música (rebatizado em 1986 como Escola Universitária de Música). Os serviços fusionados foram o Conservatório Nacional de Música (dependente da Reitoria desde 1954) e o Departamento de Musicologia (dependente da Faculdade de Humanidades e Ciências criada a partir de 1946). A terceira etapa de institucionalização pela qual passou a Musicologia no Uruguai desde o ano 2000 acrescenta, aos desafios epistemológicos atuais da própria disciplina na América Latina, os desafios causados ​​por sua atual institucionalização acadêmica integrada em um Instituto de Música em uma Faculdade de Artes da Universidade da República criada em 2021.

As questões abordadas pelo persente trabalho a partir do estudo dos modelos historiográfico-musicais aplicados como discurso local no Uruguai, reúnem:

a) tensões provocadas na historiografia musical pelo confronto de uma concepção ampla da Musicologia (Beard e Gloag 2005:11) e o foco da Musicologia histórica —campo que acolheu a historiografia musical na origem da Musicologia;

b) a revisão, para a produção musicológica na América Latina (Claro 1967; Grebe 1976; Stevenson 1991; Manzino 1993; Waisman 2019), da observação de Joseph Kerman (Contemplating Music 1985) sobre o foco excessivo no “texto” (manuscritos, cronologia, catalogação, edição, biografia, transcrição e prática interpretativa) em detrimento dos aspectos críticos e interpretativos da abordagem pós-estruturalista que explora desenvolvimentos na análise musical e na teoria literária (Beard e Gloag 2005:60);

c) a consideração de observações ao cânone da música ocidental de tradição escrita (focadas em alguns aspectos) levantadas pela New Musicology (a partir de uma perspectiva localista baseada nos Estados Unidos pela atividade docente do musicólogo em instituições universitárias voltadas principalmente para o modelo das artes liberais) e a ideia da Critical Musicology (de evitar novas ortodoxias e grandes narrativas que compõem macro histórias) que beiram posições anacrônicas em relação ao estudo da música do passado e que, com foco descentrado na música, aplicam aspectos da Teoria Crítica; um termo-guarda-chuva que, segundo Beard e Gloag (2005:29), resiste a uma definição como conceito e desloca o objeto de estudo (a música) para objetos de estudo e problematizações próprias de outras disciplinas do campo das Humanidades;

d) a proposta do pós-modernismo de deslocar o positivismo e o conceito de autonomia da obra musical como objeto de estudo proposto pelo modernismo (Beard e Gloag 2005:92);

e) o questionamento da validade ou não do positivismo; e, para as posições que reivindicam sua validade, se é válida em todos os seus termos ou por qual deles;

f) análise da relevância e oportunidade na Ibero-América para uma musicologia global (Chúa 2022).

 

BIBLIOGRAFIA INICIAL IDENTIFICADA

Beard, David e Kenneth Gloag. Musicology. The Key Concepts. Routledge, New York, 2005.

En, desde y hacia las Américas. Músicas y migraciones transoceánicas, editado por Victoria Eli Rodríguez, Javier Marín-López, Belén Vega Picacho. Madrid: Dykinson, 2021.

Claro, Samuel, 1967. “Hacia una definición del concepto de musicología. Contribución a la musicología hispanoamericana”. Revista Musical Chilena 21 (237), 8-25.

Chúa, Daniel e Malena Kuss. “Explorando los fundamentos de una musicología global. Conferencia inaugural del IV Congreso de ARLAC/IMS. Buenos Aires, 5 de novembro de 2019”. Revista Musical Chilena 76 nº 237 (2022), 213–222.

Grebe, María Ester. “Objeto, métodos, técnicas de investigación en etnomusicología: algunos problemas básicos”. Revista Musical Chilena, 30 nº 133 (1976), 5–27.

Kerman, Joseph. Contemplating Music. Challenges to Musicology, Harvard University Press, Cambridge, Massachusetts, 1985.

Manzino, Leonardo. “Musicología Uruguaya e Investigación: Barroco Musical Sudamericano, Música Colonial y Música Uruguaya Republicana del Siglo XIX. Memoria de las Jornadas de Extensión 2013 – Musicología en el Uruguay: Aportes a la Construcción de su Campo de Estudio”, ed. Gustavo Goldman et al, 79-98. Montevideo: Perro Andaluz Ediciones, 2014.

_____. “The Montevideo Collection of South American Baroque Villancicos: 1650 – 1750”. Tese de Doutorado em Filosofia (PhD) opção Musicologia. The Catholic University of America. Ann Arbor, Michigan: University Microfilm International, 1993.

Stevenson, Robert, 1991. “Keynote address”. Proceedings. Eighth Inter-American Music Education Conference, Organization of American States, Washington D.C.

Waisman, Leonardo. Una historia de la música colonial hispanoamericana, Gourmet Musical, Buenos Aires, 2019.


Palavras-chave


Historiografia da música como discurso local, regional e nacional; Problemas historiográficos nos espaços luso-brasileiro e ibero-americano.