Portal de Eventos Científicos em Música, 5º Congresso Brasileiro de Iconografia Musical

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Uso e exclusão de instrumentos negros na música brasileira dita popular: um estudo icono-fonográfico
Flávio Vieira da Cunha Silva

Última alteração: 2020-04-12

Resumo


Samba, choro, valsa, maxixe, lundu, seresta, frevo são construídos segundo o sistema tonal inventado na Europa, o que vale para outros gêneros das chamadas músicas populares.

No Brasil, as músicas folclóricas são predominantemente tonais; elas são modais na Ásia, na África e nas praticadas entre os aborígenes das Américas, assim como entre as eruditas praticadas há milênios na Ásia e entre os árabes. Também eram modais as das populações europeias antes da revolução musical operada pela tonalização do ouvido, a partir da consolidação da notação pautada e de sua divulgação com a expansão na impressão de partituras, graças a aperfeiçoamentos na fabricação do papel e nos procedimentos gráficos. Essa tonalização determinou a quase supressão do uso do instrumental folclórico, substituído pelo adaptado à música tonal.

Como música popular, entendo a que passou a existir na Europa após a consolidação da tonalidade como prática musical dominante entre as massas urbanas e camponesas. Tal modificação decorreu da difusão de uma prática musical cada vez mais dependente da divulgação de partituras tonalizadas, o que contribuiu para padronizar, a partir do sec. XVI, os vários tipos de notação vigentes no continente.

Quanto ao ritmo, a síncope está geralmente acomodada no compasso binário que, como o ternário, não chega a ser característico das músicas negro-africanas. A ideologia exaltando a primazia do ritmo sobre outros elementos musicais é redutora e falsificadora, por ignorar a fantástica riqueza melódica das músicas folclóricas, em particular das negro-africanas, onde a percussão muitas vezes só aparece depois do ritmo ser dado pelo canto ou pelos instrumentos de cordas ou de sopro. Mesmo para as batidas do surdo é indispensável a variedade de alturas e de timbres. 'Ritmo puro' só existe em sons monotônicos fabricados em instrumentos eletrônicos.

A exclusão no Brasil do instrumental trazido pelos escravos inscreve-se no quadro acima traçado. Em pesquisa não exaustiva, relacionei 146 representações desses instrumentos por 21 artistas estrangeiros e três portugueses. Essa onda praticamente acabou na primeira metade do sec. XIX; na segunda, ocorreu o desaparecimento quase total desse instrumental, pela consolidação da formação de uma música popular urbana calcada no tonalismo. Apenas subsistiram alguns com função religiosa, além do berimbau na capoeira. Nessa iconografia, os instrumentistas são predominantemente negros em ambientes urbanos. Observe-se que as referências lusas às práticas musicais dos escravos são em geral literárias, centradas na rejeição ao uso de tambores, especialmente em cerimônias cultuais consideradas selvagens e diabólicas, que perturbavam os ouvidos cristãos.

Serão projetadas reproduções de instrumentos trazidos pelos escravos, confrontadas com as imagens encontradas em discos LP prensados na França nos anos 1950/60, que trazem músicas tribais gravadas na África negra. Também serão ouvidas gravações de instrumentos correlatos encontradas nesses discos. Alguma atenção será dada a gravações de línguas tonais e a práticas musicais não documentadas no Brasil ou aqui genericamente referidas.

O titulo refere instrumentos negros e fontes negro-africanas, e não apenas africanas, pois a África original também era habitada por árabes.


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