Última alteração: 2023-10-24
Resumo
Dono de uma técnica esmerada, decorrente de uma rigorosa rotina de estudo ao longo de décadas, Camargo Guarnieri encabeça na história da música brasileira a terceira geração nacionalista. Contando com sua técnica abalizada nos moldes da estética marioandradiana exala em forma de música o Brasil de Mário de Andrade. Ao longo de sua vida Camargo Guarnieri sempre se mostrou bastante reservado quanto a vários aspectos, sejam eles políticos, religiosos ou mesmos estético-musicais. Porém em 1941, após a leitura da Música de Câmara para canto, viola, corne inglês, clarineta baixo e tambor-militar de Hans-Joachim Koellreutter[1], Guarnieri sentiu a necessidade de escrever-lhe uma carta aberta, onde expressava suas sensações perante a música do compositor alemão. Em suma, essa carta não traria consigo nenhuma polêmica explícita, mas já prenunciava, mesmo que sutilmente, o posicionamento de Guarnieri, que quase dez anos mais tarde seria deflagrado de forma mais contundente com a publicação da Carta Aberta aos Músicos e Críticos do Brasil de 1950. Publicada na revista Resenha Musical[2], a Carta Aberta datada de 28 de agosto de 1941, em seu teor apenas continha as impressões de Guarnieri sobre a Música de Câmara de Koellreutter. Mesmo sendo essencialmente elogiosa, a carta não pouparia o compositor alemão da franqueza que era peculiar ao compositor paulista. Diferentemente desta, a Carta Aberta de 1950 ganhou maior projeção devido a celeuma gerada a época. Entretanto, essa segunda e mais emblemática carta em torno de Guarnieri, tinha um objetivo claro e definido: convocar os atores do cenário musical nacional a lutar contra o que Guarnieri chama na carta de “[...] corrente formalista que leva à degenerescência do caráter nacional da nossa música” (GUARNIERI apud SILVA, 2001, p. 143), promovida pelo emprego da técnica dodecafonica[3], que tinha como principal entusiasta[4] seu amigo Koellreutter, fundador do Grupo Música Viva.
Nesse sentido, esta comunciação objetiva apresentar e discutir as relações formais, históricas, políticas e estéticas que se estabelecem entre a duas cartas, sendo a primeira, de 1941, tomada como uma antecipação contextualizadora do que viria a conter a segunda, a de 1950, ainda que a atuoria desta última sofra discussões sobre a participação de Rossine[5], primeiro irmão de Camargo Guarnieri. integral o como coautor.
REFERÊNCIAS
EGG, André. O Grupo Música Viva e o Nacionalismo Musical. In: III FÓRUM DE PESQUISA CIENTÍFICA EM ARTE, 2005, Curitiba. Anais. Curitiba, EMBAP, 2005.
KATER, C. E. Música Viva e H. J. Koellreutter: movimentos em direção à modernidade. São Paulo: Musa Editora : Atrevez, v. 4, 2001.
KOBAYASHI, A. L. M. T. A escola de composição de Camargo Guarnieri. São Paulo: Dissertação (Mestrado em Música) Programa de Pós-Graduação em Música do Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, 2009.
NEVES, J. M. Música contemporânea brasileira. 2ª. ed. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2008.
SILVA, F. Camargo Guarnieri: o tempo e a música. São Paulo: Imprensa Oficial, 2001.
[1] Hans-Joachim Koellreutter (1915-2005) flautista, compositor e educador musical teuto-brasileiro fundador do movimento Música Viva (1938-1952). Defensor da técnica dodecafônica afirmava que esta “garante liberdade absoluta de expressão e a realização completa da personalidade do compositor” (KATER, 2001, p. 129)
[2] GUARNIERI, Camargo. Carta Aberta. In: Revista Resenha Musical, São Paulo, n° 37, p. 29, 1941.
[3] Em 28 de dezembro de 1950, Koellreutter responde a Carta Aberta de 1950. Na carta-resposta define dodecafonismo como: “[...] uma técnica de composição criada para a estruturação do atonalismo, linguagem musical em formação, lógica consequência de uma evolução e da conversão das mutações quantitativas do cromatismo em qualitativas, através do modalismo e do atonalismo.” (KOELLREUTTER, Hans-Joachim. Resposta a Carta de Camargo Guarnieri. In: SILVA, Flávio. Camargo Guarnieri: o tempo e a música, São Paulo: Imprensa Oficial, 2001. p. 148.)
[4] Em entrevista à Folha de São Paulo do dia 7 de novembro de 1999, Koellreutter revela que foi o interesse de Claudio Santoro pelo dodecafonismo que o levou a estudar mais a fundo técnica: “Em 40, quando eu ensinava composição a Cláudio Santoro, ele fazia a "Sinfonia para Duas Orquestras de Cordas", com trechos que já traziam essas técnicas em embrião. Ele me perguntou o que era dodecafonia. Eu não o forcei a fazer. Eu dava aulas de acordo com minha orientação estética. Ele estudou em conservatório e ouviu falar disso, mas não foi informado. No fundo ele me obrigou, com as perguntas que me fez, a estudar mais a coisa. E escrevi "Invenção", o primeiro trio rigorosamente dodecafônico. Mas quem me levou a fazer isso a sério foi o Santoro” Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs0711199905.htm, acesso em 23 setembro de 2023.
[5] Rossine Camargo Guarnieri (1911-1989), é de sua autoria quatro poemas usado no ciclo de Treze Canções de Amor composto entre 1936 e 1937 por Guarnieri.